O pior ano da sua vida 2023

O coach e candidato Pablo Marçal / Crédito: Reprodução/Twitter

O pré-candidato à Presidência, influenciador e coach motivacional Pablo Marçal (Pros) ganhou as páginas de jornais no início do ano, quando uma expedição liderada por ele em meio a condições meteorológicas adversas precisou de resgate em Piquete (SP). A trilha fazia parte do programa de treinamento “O pior ano da sua vida”. Além da quase tragédia que gerou uma investigação por tentativa de homicídio, a metodologia do coach também gerou reclamações de que ele teria arruinado o ano de pupilos.

Três meses após iniciar o programa, com duração de um ano e parcelas mensais de R$ 599, uma mulher pediu o cancelamento e entrou com uma ação na Justiça do estado de Goiás contra a empresa de Pablo Marçal, a Marçal Serviços Digitais, pleiteando indenização por danos morais, além de reparação pelos salários perdidos após ter se demitido por influência do coach.

Ela havia deixado para trás a renda de R$ 1,5 mil, pois, segundo afirmou na ação, Pablo Marçal – Titi, para os seus seguidores – pregava que “não devemos ser celetistas, tendo em vista que ‘nascemos para prosperar’, ele acredita que todos devem optar por empreender, que devemos ouvir nosso ‘coração’ que viemos para prosperar, e não sermos escravizados”.

A proposta do programa de Pablo Marçal é ter o pior ano da vida, para depois viver os melhores. Para isso, a aluna estava pronta para “derramar lágrimas, sangue, suor e gordura”. Nas primeiras aulas, as atividades envolviam a leitura de livros, geralmente de autoajuda, indicados semanalmente; a leitura da Bíblia; e jejum de uma refeição por dia. Depois, havia transmissão de aulas ao vivo a partir de 4h52 da madrugada às segundas-feiras, pois Marçal prega a necessidade de acordar antes do sol nascer como um ingrediente para o sucesso.

Meses antes de iniciar o programa anual, a mulher assistira às palestras do Método IP, que promete eliminar bloqueios emocionais que impedem uma vida plena e conquistar resultados exponenciais na vida pessoal, profissional e espiritual. Foi nesse momento que, acreditado “nessa balela”, como afirmam os advogados da mulher, ela teria decidido pedir desligamento do escritório em que trabalhava. Na época, ela tratava sintomas relacionados à depressão.

Ela teria pedido demissão “de tão perturbada psicologicamente que ficou depois da imersão” e mandado mensagem informando sobre a mudança ao coach. Duas semanas mais tarde, e um dia antes do fim das inscrições para o programa de um ano, ele respondeu: “Agora não olhe para trás. Parabéns pela decisão difícil”. Por ter se sentido enganada, ela requereu o pagamento de lucros cessantes, aquilo que ela deixou de receber devido à demissão, no período.

“De forma intencional, o produtor do conteúdo fez, e ainda faz, movimentos na internet para atrair pessoas vulneráveis e que não estão satisfeitas com alguma circunstância de sua vida, seja ela espiritual (pois ele é teólogo), aquelas que querem formar família, ou que não estão satisfeitos profissionalmente (pois se tornou um grande empreendedor)”, acusou a ex-consumidora.

A argumentação não convenceu o juiz Leonys Lopes Campos da Silva, do 5º Juizado Especial Cível de Goiânia. “Não há qualquer comprovação ou indício de que a demissão da autora se deu devido ao discurso do palestrante, fundamentando-se o pedido, com a devida licença, em conjectura dissonante da realidade”, afirmou o juiz, em decisão de outubro passado, ao negar o pedido de lucros cessantes.

“Ora, se ela tomou a decisão de desligar-se do escritório em que trabalhava, fê-lo por sua livre e espontânea vontade”, continuou. Por isso, não atendeu ao pedido de indenização por danos morais de R$ 10 mil. O argumento, nesse aspecto, era o de que as parcelas cobradas após o cancelamento do curso somaram dívidas à mulher, que estaria pressionada a ter seu nome incluído em listas de devedores.

Segundo a consumidora, o cancelamento da compra aconteceu porque ela ficou insatisfeita com mudanças na metodologia de Pablo Marçal – o curso teria se transformado em uma plataforma de jogos e recompensas para incentivar os participantes a concluir as etapas, valendo como prêmio o direito de visitar o resort dele por uma tarde. No entanto, ainda foram cobradas mais três parcelas após o pedido de encerramento. O juiz concedeu apenas o reembolso destas parcelas. O processo foi arquivado em junho.

No perfil sobre Pablo Marçal no site de um dos seus cursos, ele é apresentado como estrategista digital e mentor. Ele também ajudaria as pessoas a desbloquear sua identidade digital; mais de 50 mil alunos já teriam participado de algum curso ou treinamento online dele. Também é divulgado que o faturamento por seus produtos digitais já teria passado de R$ 100 milhões.

A principal reclamação relacionada aos cursos de Pablo Marçal é sobre cancelamentos sem estorno, mas há consumidores que se dizem enganados pelo método – além do Judiciário, a plataforma Reclame Aqui reflete uma amostra disso, com cerca de mil queixas na página “Loja Pablo Marçal”.

“Pablo Marçal enriqueceu às custas de terapia emocional do métodos IP (…) Porém, a soberba precede a queda (…) Isso só mostra como nós brasileiros somos realmente carentes de informação e tolamente e facilmente manipulados com fanfarrões da fé”, escreveu uma ex-seguidora.

“As aulas são um culto religioso com uma total alienação das pessoas. Pablo Marçal usa seu poder de fala para manipular as pessoas e oferecer sempre mais cursos dizendo que você está comprando”, afirmou outro. “As palavras que Pablo Marçal escolhe são estrategicamente selecionadas para mexer com as dores das pessoas”, completou.

Algumas pessoas, apesar de enviar reclamações, mantêm a confiança em Pablo Marçal. “Aguardo contato da Equipe do Pablo. Sei que ele está em campanha eleitoral, mas, se tratando da pessoa simples e acessível que ele é, não vai fechar os olhos pra minha insatisfação”, disse outra cliente.

Há também quem aponte que o pré-candidato passou a usar sua base de clientes para campanha política. Uma consumidora relatou receber e-mails e mensagens no Telegram com propaganda política, mesmo sem ter cedido o endereço eletrônico para esse objetivo, “desde que o vendedor se tornou candidato a presidente da República, e passou a manifestar clara intenção política em seus discursos, com apenas quatro meses de curso”.

Desde o início ano, quando atingiu pico de 103 mil inscritos, o canal oficial de Pablo Marçal na plataforma de mensagens vem perdendo seguidores. Hoje, são cerca de 86 mil. Atualmente, é um canal de promoção dele enquanto candidato – geralmente, frases de efeito acompanhadas de vídeos, com comando para compartilhar com amigos no WhatsApp. “Eu não quero saber de direitopatia e nem de esquerdopatia. Isso é um besteirol que divide nações a (sic) mais de 200 anos e que travou o Brasil”, diz em uma das mensagens no sábado (23/7).

Pré-candidato pelo Partido Republicano da Ordem Social (Pros) desde maio, Pablo Marçal tem 2,3 milhões de seguidores no Instagram e diz ter 400 mil alunos em seus cursos. A presença virtual é a maior aposta da campanha dele. Na última pesquisa Datafolha, divulgada no fim de junho, ele aparecia empatado com Simone Tebet (MDB), ambos com cerca de 1% das intenções de voto.

O processo no Tribunal de Justiça de Goiás tramitou com o número 5283391-61.2021.8.09.0051. Procurado via assessoria de imprensa, Pablo Marçal não retornou os contatos da reportagem para comentar o caso.

Letícia Paiva – Repórter em São Paulo, cobre Justiça e política. Formada em Jornalismo pela Universidade de São Paulo. Antes do JOTA, era editora assistente na revista Claudia, escrevendo sobre direitos humanos e gênero. Email: [email protected]

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